Em Dançando em Ruínas, Brenda Gomes nos entrega um romance profundo e delicado sobre dois seres marcados pela vida, tentando encontrar cura nas pequenas brechas do cotidiano. É uma história que começa em silêncio — um silêncio cheio de dor, segredos e traumas — e vai ganhando som, movimento e cor à medida que os personagens se permitem existir um no mundo do outro.

🌪 O encontro entre o caos e a delicadeza
Christopher Ford, ex-fuzileiro naval dos Estados Unidos, retorna da guerra como um homem fraturado. Sua vida é marcada por episódios de estresse pós-traumático (TEPT), surtos de raiva, culpa e isolamento. A residência Ford — uma mansão sombria onde ele se tranca com seus fantasmas — torna-se uma metáfora do próprio estado emocional de Chris: imponente por fora, desmoronada por dentro.
Do outro lado, temos Eliza Fitz. Ex-bailarina, mãe solteira, órfã recente da avó que era seu único apoio emocional. Diante de dívidas e da responsabilidade de cuidar da pequena Aelin, sua filha de cinco anos, Eliza é forçada a decisões duras para sobreviver. Seu corpo, outrora moldado para a arte e a graça, agora carrega o peso da exaustão e do julgamento social.
O encontro entre os dois acontece de maneira inesperada — e estranha. Chris precisa simular um atendimento psicológico para evitar uma internação compulsória, e Eliza, por conta de uma dívida com a amiga que a acolheu, se vê envolvida nessa encenação. Dias depois, ele a contrata como diarista em sua casa. O acordo é simples: ela cuida da casa, cuida do silêncio e não faz perguntas.
💬 A convivência: um palco silencioso de reconstrução
O que começa como um vínculo estritamente funcional se transforma, pouco a pouco, em algo mais humano. Brenda Gomes constrói com precisão e paciência o crescimento dessa relação. Chris é rígido, metódico e assombrado pelos próprios impulsos. Eliza é cautelosa, atenta e resistente. Os dois circulam um pelo outro com a delicadeza de quem carrega cacos de vidro no bolso.
A partir do cotidiano — o cheiro do café, o som do aspirador, as roupas passadas, os olhos que se desviam e depois se encontram — nasce um tipo de intimidade que não depende de toque, mas de presença. A autora não apressa nada. Ela permite que a convivência traga à tona memórias, medos, vergonhas, e que a confiança surja do respeito mútuo.
A presença de Aelin adiciona leveza e doçura à trama. A menina quebra barreiras que o adulto não consegue, invade a casa com sua risada infantil, suas perguntas inocentes, e desarma Chris com a naturalidade de quem ainda não aprendeu a temer o mundo. Ela também revela novas camadas de Eliza — a mãe firme, a mulher amorosa, a bailarina adormecida que ainda habita seus gestos.
🩰 O romance: mais que amor, é sobrevivência
Ao longo do livro, o que se desenvolve entre Chris e Eliza vai além de uma atração física ou emocional. É uma ligação construída na partilha da dor, no respeito às fragilidades do outro, e na coragem de permanecer. A autora trabalha o romance como um processo de reconhecimento: reconhecer no outro um espelho de sua própria luta. Não há idealizações, apenas duas pessoas danificadas tentando existir — e, quem sabe, viver um pouco mais.
O título não poderia ser mais simbólico: Dançando em Ruínas fala da beleza que ainda pode florescer em meio aos destroços. A dança, que moldou Eliza por dentro, mesmo que esquecida, ainda guia seus movimentos, seu modo de estar no mundo. Chris, por sua vez, vai aos poucos permitindo-se sentir. Não há um momento exato em que o amor acontece — ele se insinua, se instala, se firma — como tudo no livro: aos poucos, com dor, com beleza.
🖋 Escrita e ambientação
Brenda Gomes tem uma escrita sensível e imersiva. A narrativa é em terceira pessoa, mas permite mergulhos profundos na mente e nas emoções dos protagonistas. O ritmo é propositalmente contido — não lento, mas cuidadoso. O foco está nos detalhes: o barulho dos passos no piso de madeira, o cheiro das lembranças, a tensão de uma mão que quase toca outra.
O cenário, majoritariamente contido na Residência Ford, funciona como um personagem: uma casa marcada por sombras, que pouco a pouco vai sendo preenchida com luz, risos, movimento — até mesmo dança. Os ambientes internos reforçam a introspecção da narrativa, mas não a tornam claustrofóbica. Ao contrário, intensificam a intimidade do que se constrói ali dentro.
🎯 Temas tratados
- Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT)
- Maternidade solo e vulnerabilidade feminina
- Superação e reconstrução emocional
- A força da arte como memória e linguagem
- Relacionamentos como espaço de cura, não de salvação
✨ Conclusão
Dançando em Ruínas é um romance sobre silêncio, dor e esperança. Sobre encontros que não salvam, mas sustentam. Sobre amor que respeita limites. Sobre corpos que aprenderam a se defender e, aos poucos, reaprendem a se entregar. É uma história que toca fundo — porque fala de coisas que não são ditas, mas sentidas.
Brenda Gomes entrega, aqui, um romance maduro e tocante, daqueles que permanecem ecoando por dias na mente e no peito do leitor.
Classificação: ⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5)